sábado, 18 de novembro de 2006

O Evangelho de Judas – E daí?

Por: Prof. João Flávio Martinez


É engraçado como o capitalismo não respeita nada, nem mesmo a religião. Afinal de contas todo o “mistério” envolvendo o evangelho de Judas não passa de um marketing comercial aonde pessoas aproveitadoras querem mesmo ganhar muito dinheiro – é lamentável! A ciência fidedigna não merece ser explorada de maneira tão vulgar, deixando a verdade em segundo plano e colocando acima de tudo interesses comerciais.
Devemos trazer a memória que a mídia tem lucrado muito com essa temática. O ano passado foi o Evangelho de Tomé. Uma suposta sepultura de Jesus, uma inscrição antiga contendo o nome de Tiago, irmão de Jesus, e outras “descobertas” arqueológicas, fizeram a festa da mídia e encheram os bolsos de muitos espertinhos – As revistas brasileira batem recordes de vendas quanto a esses assuntos e agora não será diferente.

O Evangelho de Judas nunca foi estranho à Igreja
Não se trata da descoberta do Evangelho de Judas. O mesmo já é um velho conhecido da Igreja cristã. Elaborado em meados do século II, provavelmente na língua grega, era conhecido de Irineu, um dos pais apostólicos. Na sua obra Contra as Heresias, Irineu o menciona explicitamente, como sendo uma obra espúria produzida pelos gnósticos. No século V o bispo Epifânio critica o Evangelho de Judas por tornar o traidor em um feitor de boas obras.

O que é de fato novo é a tradução do texto desse apócrifo:
Esse novo-velho "evangelho" reabilita Judas Iscariotes, positivando-o como aquele por quem Cristo pôde ser crucificado. Trata-se de uma antiga idéia gnóstica, raciocínio circular segundo o qual "o mal é útil e necessário para que haja o bem". Na década de 80 saiu o romance "Eu, Judas", de Taylor Caldwell, publicado pelo Círculo do Livro, onde essa versão revisada de Judas foi difundida.
Aceitar tal hipótese seria contrariar toda história que sempre descreveu Judas como traidor. Um documento antigo deve ser analisado de vários prismas: deve-se observar a sua origem, autor e data; depois analisar seu conteúdo, separando o fictício do factual – aqui reside o trabalho mais sério, aonde os estudiosos deverão conflitar as informações históricas. Afinal de contas, não é porque esse manuscrito arvora ser Judas um herói que toda a sua biografia será mudada.

Quem seria o autor desse evangelho?
A mídia tem nos informado que a autoria desse manuscrito é de Judas Iscariotes, contudo, não existe prova alguma disso. Segundo o relato dos quatro Evangelhos e dos documentos patrísticos, Judas suicidou-se após a traição. Como poderia ser o autor dessa obra? Irineu, no século II, atribuía a autoria do evangelho de Judas aos gnósticos. No códice descoberto e agora publicado, não consta somente o evangelho atribuído a Judas, mas duas obras a mais: a “Carta a Filipe” atribuída ao apóstolo Pedro e “Revelação de Jacó”, relacionado com o patriarca hebreu. A presença do evangelho de Judas em meio a essas duas obras apócrifas é mais uma prova da autoria espúria desse evangelho. Chega a ser irritante o preconceito da mídia, que sempre veicula matérias que negam a autoria tradicional dos Evangelhos canônicos, mas que rapidamente atribui a Judas Iscariotes a autoria desse apócrifo.

Esses evangelhos espúrios sempre existiram?
Sim, tanto que essa problemática forçou a igreja a separa ou canonizar os evangelhos verdadeiros dos falsos. Tanto que os meus alunos de Teologia não se espantaram com isso, pois quando discorremos a temática “Bibliologia” é nos informado sobre a existência desse e de outros apócrifos.

Vejam:
Evangelho de Nicodemos: Inclui os “Atos de Pilatos”, pretenso relatório oficial do julgamento de Jesus ao imperador Tibério. Foi produzido no II ou V Século Puramente imaginário.
Proto-Evangelho de Tiago: Narrativa que vai do nascimento de Maria ao massacre dos inocentes. Conto que começam a circular no II Século. Foi completado no V Século.
O Passamento de Maria: Repleto de milagres ridículos culmina com a remoção do “seu corpo imaculado e precioso” ao Paraíso. Escrito no IV Século, com o aparecimento do culto da Virgem.
Evangelho segundo os Hebreus: Adições aos Evangelhos canônicos com algumas frases atribuídas a Jesus. Por volta de 100 d.C.
Evangelho dos Ebionitas: Compilado dos Evangelhos Sinópticos, no interesse da doutrina ebionita Entre o II e o IV Séculos.
Evangelho dos Egípcios: Conversas imaginárias entre Jesus e Salomé. Entre 130 e 150 d.C.. Usados pelos sabelianos.
Evangelho de Pedro: Meado do II Século. Baseado em Evangelhos canônicos. Escrito no interesse de doutrinas docetistas, anti-judaicas.
Evangelho de um Pseudo-Mateus: Falsa tradução de Mateus, do V Século, repleta de milagres da infância de Jesus.
Evangelho de Tomé: II Século. Vida de Jesus, dos 5 aos 12 anos. Apresenta-O operando milagres para satisfação de Seus caprichos infantis.
Natividade de Maria: Obra de ficção do VI Século, premeditada, para fomentar o culto da Virgem. História de visitas diárias de anjos a Maria. Com o surto do papado, tornou-se imensamente popular.
Evangelho Arábico da Infância: VII Século. História de Milagres operados durante a estada no Egito. Fantástico em extremo.
Evangelho do Carpinteiro José: IV Século. Originou-se no Egito. Dedicados à glorificação de José.
Apocalipse de Pedro: Pretensas visões do céu e do inferno concedidas, a Pedro. Eusébio chamou-o “espúrio”.
Atos de Paulo: Meado do II século. Romance que aconselha a continência. Contém a suposta Epístola aos Coríntios que se perdeu.
Atos de Pedro: Fim do II século. Um caso de amor com a filha de Pedro. Conflito com Simão, o Mago. Contém a história do “Quo Vadis”.
Atos de João: Fim do II século. Historia de uma visita a Roma. Puramente imaginária. Contém um quadro revoltante de sensualismo.
Atos de André: História de André, que persuade Maximila a evitar relações com o marido, o que resultou no Martírio dele.
Atos de Tomé: Fim do II século. Como os Atos de André, é um romance de viagem, no interesse da abstinência de relações sexual.
Carta de Pedro, a Tiago: Fim de II século, ataca violentamente Paulo. Pura invenção no interesse dos ebionitas.
Epístola de Laodicéia: Diz ser a que é referida em Cl 4: 16. Um aglomerado de frases de Paulo.
Cartas de Paulo, a Sêneca e outras deste àquele. Invenção do IV século. Objetivo: ou recomendar o cristianismo aos seguidores de Sêneca, ou recomendar este aos cristãos.

E Daí?
Quero terminar esse breve comentário citando a conclusão de um outro trabalho sobre essa mesma temática:
Portanto, você pode até crer no "evangelho" de Judas e lançar fora tudo o que está escrito nos evangelhos canônicos. Mas seja coerente: não deixe de chamar de "gnosticismo", e não de cristianismo, o conjunto dos ensinamentos desse "evangelho". Quanto a mim, fico com o que o próprio Jesus disse, "Errais, por não compreender as Escrituras nem o poder de Deus" (Mateus 22:29), e com a advertência de um de seus apóstolos: "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos pregue outro evangelho além do que já vos pregamos, seja anátema" (Gálatas 1:8).

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