domingo, 19 de novembro de 2006

Missionário morto no Timor temia por sua vida



Em depoimento a jornalista, Edgard afirmou que, apesar do medo, estava "com pessoas que pensam o tempo inteiro em servir ao próximo"
Rosely Forganes


SÃO PAULO - O missionário evangélico brasileiro Edgard Brito morreu no sábado, 18, em Díli, capital do Timor Leste, atingido por três tiros. Edgard, que vivia no Timor há cerca de três anos, estava com a irmã, a também missionária Elisama, voltando de um culto de carro junto com timorenses por volta das 18 horas (hora local) quando, próximo ao Hospital Guido Valladares, foi atingido por três balas, uma das quais no pescoço.
Tudo indica que os brasileiros não eram alvos do tiroteio: Apenas passaram por um local onde havia um conflito entre timorenses. Edgard, o único a ser atingido, morreu logo depois. A irmã, Elisama, e os timorenses que acompanhavam o jovem missionário o levaram até o Hospital Geral Guido Valladares, quase em frente ao local onde foi atingido, mas o hospital estava fechado.
Edgard foi levado até a clínica do Dr. Daniel Murphy, um médico americano que trabalha com voluntário no Timor desde 1998, mas não havia nada mais a ser feito. A Clínica do Dr. Daniel, a maior de todo o Timor, que atende em média 400 pacientes por dia, quase não dispõe de equipamentos.
Aurélio Edgard Gonçalves de Brito, 32 anos, era originário de Belo Horizonte. Ele e a irmã faziam um trabalho social e humanitário junto à população mais carente do Timor. Nos últimos meses ele conseguiu um transplante de córnea para um jovem timorense, Loi, que sem essa intervenção teria ficado cego. A cirurgia estava para ser realizada em Darwin, na Austrália.
Depoimento do missionário mineiro
Edgard é único brasileiro a morrer no Timor Leste e o primeiro estrangeiro desde abril, quando se iniciou a crise político-militar no país. A casa de Edgard já tinha sido atacada no dia 26 de maio e sua moto, roubada. Na ocasião, ele fez o seguinte relato na lista de discussão e para o site Crocodilo Voador:
"No dia 26, quando tentaram entrar em minha casa, eu pensei que não sairia daqui vivo. Eu sentei em uma cadeira e fiquei olhando para a porta, esperando o momento que quem estava tentando arrombar a porta conseguiria entrar. Não tinha nada a ser feito, eu não poderia ligar para ninguém. Quem seria louco de entrar no meio de um conflito de gangues para salvar um amigo? Quando meu telefone tocou, eu nem esperei a pessoa do outro lado falar o que queria, contei tudo que estava acontecendo e ouvi a Anabel (outra missionária evangélica) falando para eu ficar calmo que ela iria ligar para o embaixador. O mais estranho de tudo é que a Elisama, tinha esquecido o telefone em casa e a Anabel fez uma ligação errada para o telefone da Elisama, que por ela ter esquecido, estava comigo. Minutos depois, a Anabel me retornou falando que a embaixada não poderia me ajudar, pois não tinha mais policiamento na cidade, mas que se eu tivesse coragem de sair de dentro de casa, ela viria me buscar."
Desde o início da crise, o número oficial de mortos é próximo de 50. Cerca de 2 mil casas foram incendiadas e, no pior momento, 160 mil pessoas abandonaram seus lares para se refugiar em escolas, igrejas e até praças. Edgard vinha trabalhado, com outros missionários brasileiros, junto a esses refugiados.
Em um e-mail enviado para a jornalista que escreveu este texto - e que era amiga pessoal dele - o missionário confessou: "Nesses dias eu tenho sentido medo. Determinadas circunstâncias me assustam, mas estou com pessoas que pensam o tempo inteiro em servir ao próximo, o que me motiva a continuar aqui e ajudar de alguma forma."
A pequena comunidade brasileira de Díli está consternada e em estado de choque. A população brasileira no Timor costumava ser de cerca de 200 pessoas, número que foi reduzido com a saída do Exército Brasileiro, um contingente fixo de 50 militares em 2004. A maior parte é constituída de missionários, católicos e evangélicos. Estes últimos representam a maioria, com cerca de 50 pessoas, conforme a época.
Correspondente da Rádio Eldorado
Rosely Forganes, correspondente da Radio Eldorado de São Paulo, esteve no Timor Leste nove vezes desde 1999, quando entrou no território ocupado pelos indonésios desde 1975. Entrou no país junto com as tropas internacionais, como correspondente de guerra. O trabalho no Timor valeu à jornalista o Prêmio Vladimir Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos em 2001 e a Ordem do Mérito Militar, a mais alta condecoração militar do Brasil. A jornalista publicou um livro que retrata o trabalho dos missionários brasileiros no país: Queimado Queimado, mas Agora Nosso - Timor, das cinzas à liberdade, editora Labortexto.

Fonte: O Estadão.
http://www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2006/nov/19/160.htm

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